num post anterior,
no dia 1º de dezembro estive no Seminário de Biopolítica que ocorreu no
Santuário da Divina Misericórdia, no bairro Umbará, e lá tive a
satisfação de entrevistar pessoalmente o padre Paulo Ricardo de Azevedo.
O sacerdote é famoso no meio religioso por seus cursos e palestras
online, mas também vem se destacando numa série de debates sociais,
envolvendo políticas para a família e a proteção da vida desde a
concepção. Sua atuação nesses temas já lhe valeram alguns convites para
falar em audiências públicas na Câmara dos Deputados e no Senado.
Na conversa que tivemos, ele falou abertamente sobre os conflitos (ou
supostos conflitos) dentro do movimento pró-vida, sobre as estratégias
dos promotores de políticas contrárias à família e do que falta aos
brasileiros na luta por valores inegociáveis.
1) O senhor esteve na Câmara dos Deputados em outubro e
defendeu que as mudanças sociais que ocorrem na família, e que têm
embasado muitas políticas públicas, não são espontâneas, mas sim
estimuladas por várias por agentes claramente identificáveis. Para
muitos, isso soa como teoria da conspiração. Como responde a essa
crítica ?
Tudo aquilo que está sendo feito para destruir a família não pode ser
teoria da conspiração pelo simples fato de que ações livres repetidas
sistematicamente na mesma direção não podem ser fruto de mero acaso.
Quando você ganha na loteria uma vez é acaso. Se você ganha duas vezes é
sortudo. Mas, se você ganha na loteria toda semana, está trapaceando.
Qualquer pessoa inteligente compreende que há sempre uma inteligência
por trás de ações que mostram um propósito, uma finalidade. Portanto,
não é possível que, numa humanidade onde os instintos das pessoas levem
automaticamente ao afeto familiar, e aos laços familiares, de repente,
um esforço realizado por boa parte da comunidade acadêmica mundial para
acabar com a família enquanto instituição seja fruto do mero acaso. Não
pode ser.
Além disso, a gente vê que as investidas são feita com método, foram
previamente escritas em livros, essa estratégia foi pensada,
premeditada. Nós temos abundante bibliografia onde as pessoas dizem
“faremos isto”, e quando a coisa está feita as pessoas dizem “é teoria
da conspiração”. Não faz sentido.
Por exemplo, existe um casal de pedagogos socialistas na Suécia, cujo
sobrenome é Myrdal, que escreveram na década de 60 um livro em que eles
propõe abertamente que se eduquem as crianças desde a mais tenra idade,
para uma sociedade onde não haja mais família, porque só assim haveria
igualdade.
Desde Karl Marx há quem ataque a família como fonte de desigualdade.
Depois, o marxismo se dividiu em duas correntes. O marxismo leninista,
que procurou fazer a revolução de forma armada, e o marxismo cultural,
que nós conhecemos mais como socialismo. Esse marxismo cultural vê que
não é possível fazer uma revolução cultural e igualitária, tão querida
pelos marxistas, sem que se faça antes uma profunda transformação
cultural do ocidente. Essa corrente está convencida desde o princípio,
de que uma das intuições básicas de Marx é que não haverá igualdade
enquanto a família estiver de pé.
Isto está presente no pensamento do próprio Marx e de Engels no livro
Origem da Família, do Estado e da Propriedade, está presente no
pensamento desses pedagogos suecos, mas está presente também está
presente em muitos outras produções, como por exemplo no pensamento de
autores que não são conhecidos popularmente como marxistas, como Simone
de Beauvoir e Jean Paul Sartre.
Toda a ideia defendida por Simone de Bovoir, de que mulher não se
nasce, mulher se torna, está fundamentada exatamente nessa ideia, de que
a feminilidade é um constructo social, e que essa construção do
feminino é que irá remodelar a identidade da família. A chamada terceira
onda do feminismo, toda ela marxista, é assumidamente uma onda que visa
a destruição da família.
Há ainda os livros das feministas Butler ou Firestone, enfim, a
bibliografia disponível é maior do que aquilo que pode ser citado, daria
para fazer uma lista de pelo menos trinta livros que vão todos na mesma
direção. Então não é possível que seja uma coisa espontânea.Todos eles
dizem claramente “estou fazendo isso de propósito”, e aí, quando você
chama atenção para isso, você é que é o teórico da conspiração ?
2) É famosa sua atuação em debates sobre temas
sociais, mas o fato de ser padre não o atrapalha ? Fora dos ambientes
católicos, o senhor não é alvo de discriminação por dizer o que diz ?
A primeira coisa a constatar quanto a isso é que aqueles que são
hostis à família e à vida não querem debater, eles fogem dos debates. E
fogem porque sabem que não têm razões, sabem que a população encontra em
pessoas como eu, que defendem a família, uma espécie de porta-voz.
O Brasil é uma sociedade com valores razoavelmente conservadores.
Isso não sou eu quem está dizendo, há uma pesquisa do Datafolha
divulgada recentemente que comprovou isso mais uma vez, foi publicada em
11 de outubro de 2013. O problema é que o Brasil sofre de uma doença
chamada maioria silenciosa. Ou seja, a maioria tem essas posições, mas
não encontra na classe falante alguém que as represente.
Quando alguém verbaliza o que essa maioria silenciosa pensa, a
maioria silenciosa se reconhece naquele discurso. Aí, os
revolucionários, que são minoria, se sentem desmascarados, então eles
evitam o confronto. Porque sabem que a plateia vai se posicionar,
instintivamente, do lado daquele que representa o discurso da maioria
conservadora.
Então, qual é a única alternativa que resta a eles ? Encontrar uma
acusação moral, psiquiátrica ou política para denegrir a fama daquela
pessoa, apelam para um argumento ad hominem para dizer assim, “vejam essa pessoa não presta, e se ela não presta seus argumentos não devem ser seguidos”.
Quando não conseguem convencer as pessoas através disso, então eles
têm evitado o confronto, pelo menos em público. Por que a técnica que
eles usam no público em geral é a chamada espiral do silêncio.
Se você tem um porta-voz isolado que verbaliza a posição da maioria,
aquele porta-voz facilmente será neutralizado, se simplesmente o
isolarem. Se você debater com ele, você está dando publicidade, se você
entrar numa polêmica, você está dando palco para aquela opinião que você
quer silenciar. Por isso essas pessoas não debatem mais.
3) Recentemente, a discussão em torno do PLC 03/2013 (que expande o acesso ao aborto em casos não puníveis) dividiu
o movimento pró-vida, por que alguns grupos achavam que o veto parcial
seria suficiente, outros exigiam o veto total, entre os quais o senhor
se encontrava. No fim das contas, a presidente Dilma não ouviu nenhum
dos lados e não vetou nenhum ponto do projeto. Por que houve essa
divisão ?
A divisão do movimento pró-vida é aparente, porque a maioria
esmagadora foi a favor do veto total. O que acontece é que existem
algumas pessoas e instituições que têm acordos palacianos, ou seja,
preferem desgastar o mínimo possível a imagem do partido governante, que
é quem está impondo essa política a favor do aborto.
É claro que algumas pessoas de boa vontade podem ser seduzidas por
esse tipo de discurso, porque é mais conciliador, mais pacifista, menos
desgastante. Mas a maioria está entendendo perfeitamente que essa
posição supostamente mais amena se trata somente de apoio político, uma
tentativa de não desgastar um partido que é, na realidade, aquele que
mais fez pela implantação do aborto na história do país.
4) Gostaria que o senhor se aprofundasse mais nessa questão
sobre a diferença de método que me parece haver dentro do movimento
pró-vida. Alguns optam pelo enfrentamento direto da chamada “cultura da
morte”, denunciando instituições e pessoas que contribuem para o avanço
dessa agenda. Outros são menos incisivos e defendem uma aproximação
maior com a classe política, por exemplo, debatendo mais do que
denunciando. Qual o melhor caminho e por quê ?
Os dois métodos não se excluem. É evidente que quando é possível uma
composição política ela é preferível, mas há momentos em que isso
simplesmente não é possível.
No caso da PLC 03, que agora é Lei 12845/2013, nós estamos diante da
possibilidade real de que vidas humanas passem a ser sistematicamente
tiradas, por causa desse dispositivo legal.
Já existia uma prática desde o tempo do governo Fernando Henrique
Cardoso, de se ampliar a possibilidade de aborto em caso de estupro,
fazendo com que não fosse mais preciso comprovar, mas apenas alegar ter
sido vítima.
Esta prática foi sendo aperfeiçoada em várias edições de normas
técnicas, e essa norma técnica, que antes era um ato apenas do
executivo, agora recebeu uma coloração de legalidade, através dessa Lei
12845.
As pessoas do movimento pró-vida que querem tentar conciliar as
coisas a qualquer custo dizem que não é nada disso, e que a norma
técnica e a lei não tem nada a ver. Mas se você pegar o índice da norma
técnica e os artigos da lei, você vai notar uma admirável coincidência.
Não somente no seu conteúdo, mas até mesmo na ordem em que o conteúdo
está disposto. Recusar-se a enxergar isso é um bom-mocismo criminoso. É
uma tentativa de conciliação política, quando não há conciliação
política.
Então, é evidente que o caminho político é sempre preferível, é
sempre melhor dialogar, conciliar, compor, do que enfrentar. Mas quem
decide qual dos dois métodos deve ser usado não somos nós, mas a
realidade dos fatos.
5) Com base nos anos que passou nos Estados Unidos, em que o movimento pró-vida no Brasil pode melhorar ?
Nos Estados Unidos existe uma consciência de que todo o cidadão deve
atuar politicamente. Eu me lembro, por exemplo, de estar visitando um
amigo meu que é padre perto de Chicago, em Ilinois, e na ocasião houve
uma atividade dos católicos do estado inteiro que foram à capital para
pressionar seus deputados e senadores estaduais.
Lá, eu participei de uma missa com a igreja lotada, presidida pelo
cardeal de Chicago, concelebrada por vários bispos e dezenas de padres, e
estávamos lá para que cada católico, logo que saísse dessa missa, fosse
se manifestar junto aos seus deputados e senadores por conta de algumas
leis que estavam sendo propostas. Ou seja, um ato de igreja organizado.
E o melhor é que ninguém saiu gritando que o estado é laico, ninguém
saiu dizendo “onde está a separação de igreja e estado ?” . Sabe porque ?
Por que o católico é cidadão. O católico votou. E espera que os seus
representantes defendam os valores que ele, como eleitor, tem.
Então a diferença é enorme. O católico brasileiro quando recebe a
notícia de que os deputados e senadores estão votando barbaridades em
Brasília, ele lamenta, coça a cabeça, diz que o mundo está acabado, fica
em casa e continua rezando seu terço. Há uma desproporção descomunal
entre as duas realidades.
***
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Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/blog-da-vida/entrevista-pe-paulo-ricardo-fala-de-politica-aborto-e-divisoes-no-movimento-pro-vida/
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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
Entrevista: pe. Paulo Ricardo fala de política, aborto e divisões no movimento pró-vida
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